"O menos é mais."

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Num xadrez: as neuroses do pião

Serei capaz de pensar o quanto fracassei?
Fracassei nisso também
O sonho não acabou, certamente, nunca começou
Quem é capaz de olhar profundamente dentro de si?
Às vezes, não importa, nunca vamos conseguir
Quem nos dirá a hora de desistir?
Morreu, tentando viver, nunca viveu
Há coisas que nunca seremos capazes
Quanto vale a vida?
Tanto pra nós e tão pouco pra todos os outros
Eu sou o pião a liberar o caminho da rainha
Não sei, talvez o bispo mereça morrer
Sua família choraria sem saber o que se passava
Consolaria dizer? Era inútil, apenas inútil...
A natureza gosta de fazer política
Quero um cérebro em troca de dentes
Mas ela diz: o que me importa?
E ganhaste um cérebro
Agora, pergunto-me, O que faço?
Arte, ciência, sexo, jogos, conversa a fora
Percebo as coisas em volta
Minha cama é de veludo
Mas ainda em minha lápide há-de estar "Apenas vivi"
Isto basta
Ou ao menos finjo que assim se está bem
A família continua a chorar a perda do bispo
E eu indiferente, Não o conhecia
Talvez eu devesse falar palavras bonitas
Ou então fingir qualquer verdade
Quando se é mau caráter a mentira cai bem
Poderia dizer, Ele foi um homem admirável
Seria mentira, claro
O que pensaria se lhe desse a honestidade:
Nunca vi tão mais inútil e apático!
De certo, ganharia inimizades
Não que inimigos me incomodam
Me são tão valiosos quanto amigos
Diria que tão mais se mereça prezar
O duro é ser inimigo e ter apenas indiferenças
Ter amigos e não lhe guardar bons sentimentos
Ah, meus amigos, isso é duro
Para tal não há fundamento
Simplesmente se é
Em miúdos somos senhores do nosso caminho
Desde que seja o de ir e vir de casa em casa
Mas daquilo que somos, bem pouco, pois é, bem pouco
Somos homens, mulheres, bispos, reis e escritores
Cada qual com seu qual
Sem qualquer para que
Não se atreva a saber
Ah... ignorância, santa ignorância!
Faz tão bem e cobra tão caro
Portanto, pelo exato motivo, vale muito
Tanto vale que a ignorância não se conquista
Assim como ser um pobre bispo, apenas se é
A inteligência é conquistada, é feita para desgraçados
Talvez perceba a minha inveja
Disfarçadas em tantas ofensas ao infeliz bispo
Ah... se pudesse sê-lo ou ao menos desprezá-lo.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Luz acesa

    Acordo cedo e acendo a luz, o sol acanhado não ilumina o interior de minha casa, tomo banho e um café, insisto em manter a escova de dentes dela ali, no copo, em cima da pia, me parece que já é o seu lugar definitivo, mas dela aqui há apenas sua escova de dentes e uma saudade.
    Saio correndo pra pegar o trem toda manhã, volto as onze horas, antes de entrar em casa, percebo que a luz está acesa, fixo o olhar para confirmar e constato que realmente a luz está acesa, paro em frente a porta fechada, esqueço da fechadura e imagino que deve ser ela a me preparar uma surpresa, havia voltado para viver ao meu lado, antes de perder completamente a visão nessa súbita euforia, abro rapidamente a porta e ansiosamente entro impulsionado pela esperança de vê-la, era uma luz acesa por esquecimento.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Cala-se

Fale álcool
Num cálice de vinho
Em alto e bom tom
Som sem pretexto
Me faz tão bem
Paixão sem vintém
Amor de companhia
Sorriso sem alegria
Dia sem contexto
Faz tão bem
Me faz tão bem
Meu bem
Cala-se

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Vida (part)ida

      Vivo
      Vi
  Ouvi
  Outro
      Todo
      Torto
     Morro
  Tanto
Quanto
Quando
   Vento
    Perto
         Trinca
         Tronco.

domingo, 31 de outubro de 2010

Quisera


Quisera chegar o meu olhar
para te dizer
o quanto te gosto
Quisera chegar o meu silêncio
para te dizer
o quanto te quero
Quisera chegar o meu toque
para te dizer
o quanto te desejo
Quisera instante esse
tocasse o meu corpo como sabes
Quisera refrescar-me o corpo
que em chamas deixaste
com a suavidadede do teu beijo

Quando teu corpo mistura com o meu...
deixas arraigado na minha pele
o cheiro do teu corpo
sabes o quanto
por vezes
te desejo?
por fim
adormeço
no sossego
do teu corpo
Gosto tanto
...de ti

Raquel Palma

sábado, 9 de outubro de 2010

Da faculdade, nostalgia e prospecção



Observo os suspiros
Um diz mais exaustão que o anterior
E me lembro quando era eu a suspirar
A me exaurir
Busco nisso a compreensão
Pobre coitada a pessoa
Ou bem feito e que mereça?
Talvez só consequência
Fosse prazeroso
Não se chamaria trabalho
Lazer
Dificilmente
Aprendizado
Mas e ano que vem?
Ou se é sensato (e convicto)
Ou trancamos tal matrícula
Mas logo aviso
Não tenho nada a ver com isso
Se me ouve
É porque tem ouvidos
Só me escuta se querer
Ou precisar
E não ter equivalente
Mas, sê valente,
Vá em frente
Uma hora passa
Em seguida acaba
Pouco depois vira lembrança
A um fim de dar risada

Rafael Quitanda: http://quitandaeoscogumelos.wordpress.com/

O homem

Não!
O animal sensível é o homem!
Você e seu jeito meigo dissimulado
Nada mais que um algoz disfarçado

Tornar a querer: este é nosso fado
A que todos nascem condenados

Se for bela
Ao menos seja tímida
Se for egoísta
Ao menos torture-se ou finja.

domingo, 3 de outubro de 2010

Micro tabuleiro das invenções

Gêneses
Super-Homem
Alfabeto
Sherlock Holmes
Casamento
Papai noel
Número
Odin

Jesus Cristo
Dioniso
Apolo
Dinheiro
Deus
Altruísmo
Zeus
Verdade
Mula sem cabeça
Moralidade
Fada do dente

Ideologia
Afrodite
Finalidade

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Eterno querer

Persisto, desisto, intenso e sereno
Entendo, revejo, desprezo e quero
Vivo muito vivo, em você e comigo
Saiba que te quero a gotas e em dobro

Quero tudo do leve ao grave
Do breve ao eterno do livre ao perto
Quero o nada que compartilha tudo que tem
Quero o amor que parte mas logo vem

Serei injusto pra fugir do tédio
Serei amável... até chato
Pra te perder e te ganhar
Tudo isso e o inverso
Pra ter o riso exaltado após o choro
Pra conhecer a glória dos perdedores
Tudo isso eu quero mas nem sempre quero
Querer amar, ah... isso sim me é eterno

domingo, 26 de setembro de 2010

Vontades, medos e música

No meio dos seus segredos
Passo a noite a pensar se é passageiro
Adormeço cansado sem saber onde está
Não sei o que é real ou pesadelo
Num sono torturante que estou preso
Interrompido com seu telefonema
Você veio me trazer alívio, o seu peito e um aconchego
Fico a pensar que isso é tudo que preciso
Mas insisto em lhe ter e depois renunciar
Então você me diz que sou um menininho cheio de vontades e medos

Por tanto te querer também preciso te perder
Este é meu pecado: me apaixonar e depois renunciar
Talvez seja apenas um menininho cheio de vontades e medos

Guardo em mim uma lembrança bonita e seu sorriso
Sobra em mim pretensão e solidão numa caverna escura
A estrada sempre volta para o mesmo lugar
Estamos sós e todos nós vamos continuar assim
Cada um com seu fado e seu destino
Para sempre serei um menininho com vontades e medos
E obrigado por passar uma parte do caminho
Comigo. 

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A mentira causa câncer


Somos o sentido da terra
Impiedosos instintos me levam
Tortura-me ir, tortura-me ficar
Quero ter coragem, seguir viagem
O rádio ficou mudo, meus amigos surdos
Morro mais se fico parado
Sofro se sigo nesse caminho
A placa diz:
Todos os sentidos levam para o mesmo destino
Uns arrastam outros guiam
Uns aceitam outros recusam
O sofrimento é o mesmo
A glória morreu com os heróis
Sobrou a vaidade dos sobreviventes
Sem dúvida, mais inteligentes
Ainda são capazes de transar
A mulher viúva precisa de carinho
Uma casa, um amor e dinheiro
Não se esqueça nunca
Também precisa do vizinho
Como tu também homem
Precisas de tudo e de todos
Do palhaço, do chefe e do presidente
Não finja, todos sabem a verdade
A mentira causa câncer
Te deixa sozinho
Na glória do herói frio e morto
A verdade é a natureza
A verdade é o sentido da terra
A verdade é o nosso instinto
A verdade matou o herói
A verdade matou o pastor
A verdade matou o casamento
A verdade matou o paciente
Queremos viver
Queremos enfrentar a vida que vivemos
Coragem, pra não morrer também com a verdade.


Mais sobre o poema: a mentira causa câncer:
Utilizo Nietzsche como uma ferramenta de intuição, o poema se inicia com a máxima do  übermensch Nietzschiano "Somos o sentido da terra", já prediz o tom estóico do poema, que se afirma estóico ao dizer "Uns arrastam outros guiam/ Uns aceitam outros recusam", paráfrase da frase estóica "Guia quem consente e arrasta quem recusa" ¹ .
    O ataque ao herói, pode também ser identificado na música de Raul Seixas, Cowboy fora da lei². O herói aqui é aquele que quer lutar contra a nossa natureza (um mártir-Jesus), o herói também está personificado em um casamento, pois o casamento é identificado como uma glória, e para se conquistar a glória é necessário sacrifício.
    O sacrifício é mostrado como algo ingênuo até estúpido, no verso "Sobrou a vaidade dos sobreviventes/ Sem dúvida, mais inteligentes/ Ainda são capazes de transar", são capazes de desfrutar do que a vida traz, o objetivo último e único é a vida e viver, a glória não importa se está morto. A viúva (do herói?) ainda vive, precisa de cuidado e sobreviver, e todas as necessidades não são  supridas por uma única pessoa, assim como o homem que cuida dessa mulher também precisa "Do palhaço, do chefe e do presidente". Os versos próximos sugerem que todos precisam uns dos outros, indiscriminadamente, estamos fadados a esta natureza, e a natureza é a verdade impiedosa que se auto-organizará e matará todos que se oporem aos seus fundamentos, seja o casamento com suas restrições, o pastor com as ordens morais antinatural³, o herói com a tentativa de combatê-la por glória, ou o paciente que está em um sentido ambíguo, pois pode ser aquele que espera ou o doente, a natureza é impiedosa com todos.
    Neste poema a verdade ou o natural é tudo que mantém a força vital e a mentira é tudo que deixa doente. Então por isso o tom fisiológico do tema central "A mentira causa câncer", e o último verso diz que é preciso coragem para a verdade não nos matar, pois seria possível nos matar por excesso de nutrição, por comer demais. 


Notas:
¹ http://pt.wikipedia.org/wiki/Amor_fati acessado em: 16 set 2010.
² http://letras.terra.com.br/raul-seixas/48307/ acessado em: 16 set 2010.
³ http://ateus.net/artigos/filosofia/moral-como-antinatureza/ acessado em: 16 set 2010.