"O menos é mais."

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A mentira causa câncer


Somos o sentido da terra
Impiedosos instintos me levam
Tortura-me ir, tortura-me ficar
Quero ter coragem, seguir viagem
O rádio ficou mudo, meus amigos surdos
Morro mais se fico parado
Sofro se sigo nesse caminho
A placa diz:
Todos os sentidos levam para o mesmo destino
Uns arrastam outros guiam
Uns aceitam outros recusam
O sofrimento é o mesmo
A glória morreu com os heróis
Sobrou a vaidade dos sobreviventes
Sem dúvida, mais inteligentes
Ainda são capazes de transar
A mulher viúva precisa de carinho
Uma casa, um amor e dinheiro
Não se esqueça nunca
Também precisa do vizinho
Como tu também homem
Precisas de tudo e de todos
Do palhaço, do chefe e do presidente
Não finja, todos sabem a verdade
A mentira causa câncer
Te deixa sozinho
Na glória do herói frio e morto
A verdade é a natureza
A verdade é o sentido da terra
A verdade é o nosso instinto
A verdade matou o herói
A verdade matou o pastor
A verdade matou o casamento
A verdade matou o paciente
Queremos viver
Queremos enfrentar a vida que vivemos
Coragem, pra não morrer também com a verdade.


Mais sobre o poema: a mentira causa câncer:
Utilizo Nietzsche como uma ferramenta de intuição, o poema se inicia com a máxima do  übermensch Nietzschiano "Somos o sentido da terra", já prediz o tom estóico do poema, que se afirma estóico ao dizer "Uns arrastam outros guiam/ Uns aceitam outros recusam", paráfrase da frase estóica "Guia quem consente e arrasta quem recusa" ¹ .
    O ataque ao herói, pode também ser identificado na música de Raul Seixas, Cowboy fora da lei². O herói aqui é aquele que quer lutar contra a nossa natureza (um mártir-Jesus), o herói também está personificado em um casamento, pois o casamento é identificado como uma glória, e para se conquistar a glória é necessário sacrifício.
    O sacrifício é mostrado como algo ingênuo até estúpido, no verso "Sobrou a vaidade dos sobreviventes/ Sem dúvida, mais inteligentes/ Ainda são capazes de transar", são capazes de desfrutar do que a vida traz, o objetivo último e único é a vida e viver, a glória não importa se está morto. A viúva (do herói?) ainda vive, precisa de cuidado e sobreviver, e todas as necessidades não são  supridas por uma única pessoa, assim como o homem que cuida dessa mulher também precisa "Do palhaço, do chefe e do presidente". Os versos próximos sugerem que todos precisam uns dos outros, indiscriminadamente, estamos fadados a esta natureza, e a natureza é a verdade impiedosa que se auto-organizará e matará todos que se oporem aos seus fundamentos, seja o casamento com suas restrições, o pastor com as ordens morais antinatural³, o herói com a tentativa de combatê-la por glória, ou o paciente que está em um sentido ambíguo, pois pode ser aquele que espera ou o doente, a natureza é impiedosa com todos.
    Neste poema a verdade ou o natural é tudo que mantém a força vital e a mentira é tudo que deixa doente. Então por isso o tom fisiológico do tema central "A mentira causa câncer", e o último verso diz que é preciso coragem para a verdade não nos matar, pois seria possível nos matar por excesso de nutrição, por comer demais. 


Notas:
¹ http://pt.wikipedia.org/wiki/Amor_fati acessado em: 16 set 2010.
² http://letras.terra.com.br/raul-seixas/48307/ acessado em: 16 set 2010.
³ http://ateus.net/artigos/filosofia/moral-como-antinatureza/ acessado em: 16 set 2010.



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